sábado, 29 de novembro de 2008

CIDADE SEM XERIFE

Humberto Ilha

O dentista Orlandino Piedade fechou o consultório na hora do almoço e foi pegar o carro defronte ao prédio onde trabalhava. Vasculhou a rua toda e não encontrou o automóvel. Então começou a xingar o governo que não oferecia segurança. Seu carro desaparecera em plena luz do dia. Tomou um taxi e foi para casa, mas não conseguiu almoçar, pois estava indignado com a perda do veículo ainda financiado. Aquilo só podia ser coisa de gente que o andava negaceando para esperar a hora certa de agir com impunidade. A própria cidade não dava chance alguma aos cidadãos. Instituíra agora uma tal de zonazul com o pretexto de redistribuir as escassas vagas no centro para que todos usufruíssem com mais justiça. Mas o povo não assimilou o argumento e apelidou a idéia técnica de “pretexto para meter a mão no bolso dos cidadãos”.

Piedade foi até a Delegacia de Furtos e lavrou um Boletim onde deixou consignado todo o seu descontentamento com o prefeito. Bradou que iria trocar de partido político, como se isso fosse impressionar os policiais de plantão. Registrou a queixa e foi-se embora para esquecer tudo em menos de duas semanas. "Quem sabe um dia meu carrinho aparece". Comprou outro e tocou a vida.

Um mês depois havia atendido um amigo que lhe pedira carona. Vieram conversando pela Tiradentes quando o outro parou e ele seguiu falando sozinho. O dentista estranhou e fez sinal para que o acompanhasse até ao estacionamento. O outro ficou olhando para um determinado veículo e perguntou:
— Mas este aqui não é o seu carro?
Orlandino olhou, examinou bem aquele veículo todo empoeirado. Conferiu as placas e viu que se tratava do carro desaparecido. Olhou para trás e deu de cara com os barbeiros olhando para ele.
— Vocês sabiam que este carro estava aqui?
— Está aí há mais de mês e daí nunca saiu. A gente estranhava ver o doutor passar por ele e deixá-lo aí, mas fazer o quê? Decerto queria caminhar. Hoje isso está na moda, caminhar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Me diverti muito, Humberto!
Teus textos são uma graça!
bj, bom fim de semana.

Fina flor disse...

Olha , posso dizer que do jeito que esses tempos nos alucinam , isso pode até a passar ser normal...

Humberto Ilha disse...

Obrigado pelo carinho, Regina. Bom fim de semana para você também. Humberto Ilha.

Humberto Ilha disse...

É verdade, Ana. Do jeito como as coisas estão corridas, não é incomum ver alguém chamando urubu de "Meu Louro". Abraço do Humberto Ilha.