sexta-feira, 11 de julho de 2008

O SUBMARINO

Capitão Gruggenberger (27), comandante do U-513.

Humberto Ilha

O maquinista do barco fora chamado às pressas pelo mestre do pesqueiro. Às oito horas e véspera do Natal de 1943 o sol surgia por detrás de uma embarcação estranha. Havia movimentos precisos de homens no convés do submarino identificado como U-513. O Suez já estava na alça de mira do canhão de proa. Da torre de comando um megafone ordenava "Achtung! Stoppen Sie den Maschinen" repetidas vezes. O humilde barco ficou passivo e pronto para ser invadido. "Alemães" — rosnou o mestre. Em seguida dirigiu-se ao maquinista:
— Não sei o que eles querem. Mas não deve ser nada demais. Atenda-os que eu vou à casinha. Não se assuste que vieram em paz.
— Em paz? O Mestre do barco é você, Nino. Como vai à privada numa hora dessas? Repara só no tamanho daquele canhão.
— Assuma até que eu volte.

A voz metálica do megafone era curta e todos entendiam. Era de tremer de medo, sim. Os pescadores estavam diante de uma embarcação de guerra alemã, a julgar pela identificação do galhardete içado à torre. Duarte acenou para os de bordo querendo dizer que obedeciam sem resistência. O cozinheiro agarrou-se ao braço do maquinista e balbuciou algo como “chegou a nossa hora”. Num instante os alemães já estavam a bordo do Suez. Duarte calçou o par de luvas de couro e recebeu do contramestre do submarino a ordem de colocar todos em forma no convés.
— Sete são os tripulantes?
— Nós estamos em oito, o mestre está na privada.
— Traga ele para cá e mande seus homens abrirem os porões. Queremos o pescado e o combustível.
— Dies ist eine verschleierte U-Boot?[1] — experimentou Duarte num alemão colonial. O oficial fez cara de que entendeu.
— Ja, Ja. U-Boot 513.
E então o golpe fatal no alemão:
— Sie sind eine Menge der Feiglinge[2], Ladrrons und Filhedeputi.
Respondeu que sim, estampando um sorriso amistoso no rosto ainda jovem. Em seguida ordenou que Duarte falasse português. Os porões e os tanques foram abertos e inspecionados. Depois mandou que fizessem a transferência do pescado em balaios enquanto a bomba de sucção transferia o combustível. Terminada a operação o oficial alertou ao maquinista que nas próximas duas horas sua embarcação estava proibida de se comunicar por qualquer meio. Avisou ainda que o pesqueiro tinha suficiente combustível até o porto mais próximo: Cananéia.

Nesse instante o mestre do barco saiu da patente arrumando as alças do suspensório. Sequer olhou para o mandão. Piscou para o maquinista e maneou a cabeça em desaprovação ao deparar-se com uma poça de urina embaixo dos pés do taifeiro. Sorriu levemente e já ensaiava dizer algo, mas foi interrompido pelo inimigo.
— Quem é este homem?
— É o mestre, senhor — respondeu Duarte.
— Você é o mestre?
— Sim, por quê?
— Ponha-se também você na fila com os outros.
A ordem veio acompanhada de um tiro de pistola para o alto. Mas foi tão de perto que Nino achou ter sido atingido na cabeça. Mais uma poça de urina no convés do pesqueiro. O coitado desmontou-se ali, mas conseguiu balbuciar:
— Posso falar?
— Fale com o seu maquinista.
— Duarte, posso voltar para a privada, amigo?
— Ele quer voltar para a privada, senhor.
— Não, ele tem que permanecer no convés para que eu possa vigiá-lo.
— Nino, você tem que ficar aí mesmo. Não complica a situação.
— Vou-me sujar todo. Vai ser um vexame diante dos meus homens.
— Sim, mas você sobreviverá.
— O que vocês estão conversando? — perguntou o oficial a Duarte.
— Que suas ordens serão obedecidas.
— Nós vamos partir. O recado a Vargas é: "volte à neutralidade".

Durante duas horas ninguém falou com ninguém. Nino viajou até Cananéia dentro da privada. Mandou que Duarte fizesse o relatório ao sindicato dos marítimos enquanto ia encomendar uma missa em ação de graças. Dia seguinte ambos foram procurados pelo Capitão de Fragata H. Reis que pediu o parecer conclusivo do Mestre.
— Era um submarino alemão, Comandante.
— E você, Duarte, o que diz?
— Era um submarino americano.
— E com que propósito?
— O de forçar Getúlio a intensificar o esforço de guerra contra a Alemanha.
— Duarte, vem aqui fora.
Saíram e novamente o oficial se dirigiu ao maquinista:
— O Nino não está pensando a mesma coisa que você.
— É que ele tem um terreno baldio no lugar do cérebro.
— E de onde você tirou uma conclusão dessas? Não me venha com teoria da conspiração.
— O U-513 está no fundo do mar há cinco meses e aqui mesmo nesta área. Friedrich Guggenberger era o seu comandante e não aquele americano safado de ontem. A foto do alemão saiu em todos os jornais. Teve muita sorte, pois foi resgatado com mais seis e é prisioneiro de guerra em Salvador. Admira o senhor não saber disso. Olhe esta cápsula deflagrada pelo oficial no convés do Suez. E onde já se viu um alemão que não entende o próprio idioma?
Duarte então contou o diálogo que tivera com o outro. Voltaram para a sala do sindicato e o capitão, que estava aturdido, falou:
— O que vou dizer a vocês dois agora não é conselho, é uma ordem: daqui para frente bico muito calado, entenderam? E você Duarte, vai comigo para Santos agora.

Nunca mais se ouviu falar do maquinista.

[1] "Este é um submarino disfarçado?"
[2] “ Vocês são um bando de covardes”.

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