quarta-feira, 22 de abril de 2009

EMBAÇOU

Humberto Ilha

Houve um tempo em que, mesmo já entrado na idade da razão, Adalberto Carijó não escutava tanta sacanagem como escuta hoje em dia. Era um tempo em que as falcatruas existiam, mas parece que não eram tão divulgadas. Será que existiam mesmo? Roubo, boicote, trapaça, mentira, infidelidade, tudo isso existia, mas parece que sempre tinha um por quê. Havia um mínimo de coerência.

Hoje em dia as coisas ruins acontecem sem motivo para tanto. As pessoas que transgridem não pesam mais as conseqüências dos atos que praticam. Ganhar dinheiro é o que determina as ações das pessoas. Mas ganhar somente não basta, tem que ganhar enganando; na esperteza.

Outro dia vi uma entrevista do Maradona dizendo da paixão que o povo argentino tem pelo futebol. “El fútbol es algo que está en la sangre de los argentinos”, gabava-se ele como se fossem os inventores do esporte. “El mejor del fútbol es la trampa, el logro”, quer dizer: a tramóia. É de aceitar o drible refinado durante o jogo, o gol sem querer, o gol contra, mas a tramóia como aquele gol de mão na Copa de 1986 contra a Inglaterra, isso não e não. Fosse decente o atleta, ele próprio, invalidaria o gol marcado ilicitamente. Depois veio dizer que não foi a mão dele e sim a de Deus. E ainda se gaba da imundice que produziu. Ficou muito longe do zagueiro maranhense João Evangelista Belfort Duarte, que num jogo colocou a mão na bola dentro da área e o juiz não vira. Ele próprio se acusou e chamou a atenção do juiz para o pênalti que cometera. Com esse nem precisava de árbitro. Deve estar batendo bola no céu. Para Maradona o melhor juiz é o rabudo. Vai te catar, nojento.

Pois Carijó comprou quatro barrinhas de cereal para ir comendo aos poucos durante a semana. Na terceira ele notou algo se mexendo dentro do papel e viu uma larva. Quase deu um ataque de nervos. Já havia notado algo estranho na anterior. Quando em casa abriu a quarta larva, digo quarta barra, o que encontrou? Ela, a larva. Mexendo-se toda alegre, como a rir dele. Verificou o prazo de validade e: peguei você, desgraçado — disse com o dedo no nariz do fabricante — comi três bichos desses, mas isso vai me render boa indenização por danos morais. Aqui está minha aposentadoria. De inocente consumidor passou a juiz perverso. Ficou maldoso como petiço de guri. Já procurou o telefone do órgão de defesa do consumidor.
— Não precisa haver dolo, seu Carijó. Cabe a indenização, sim. Venha à repartição que encaminharemos o processo.
Um ano de aporrinhação nas audiências de conciliação. Adalberto não queria saber de acordo e ainda ameaçava divulgar a notícia na TV. Quando o fabricante pedia de mãos postas para ele não fazer isso, aí mesmo é que Carijó se abagualava e redobrava a ameaça em voz alta. Achava-se o todo-poderoso diante do gigante domesticado. Ia faturar alto em cima do dragão fumegante. O fabricante fingiu-se abaladiço até que achou um erro formal no processo. Para não mais discutir causa ganha propôs uma indecência ao reclamante. Uma barrinha grátis de cereal por dia durante um ano. Aquela indenizaçãozinha mais pareceu um guascaço no lombo do homem que sonhava ganhar algum sem muito esforço. Se quisesse mais que fosse reclamar com o papa. Carijó acabou fazendo acordo, mas depois de um mês não podia mais ver aquelas barrinhas, quanto mais comê-las. O fabricante melhorou o processo de fabricação e Carijó, desconfio, aprendeu que não precisava exagerar na dose quando alguém ficasse de joelhos pedindo clemência.