segunda-feira, 14 de novembro de 2011

VIDA E MORTE NA RUA


Quem há de se compor num quadro de indigência? Os da rua não compreendem o que lhes está posto. Na democracia um mendigo não trabalha e no capitalismo, só atrapalha. Ao próprio corpo, o indigente desobriga zelo. É um frágil. Sentado na melhor esquina da cidade, vindica a caridade. O “Tenho Fome” estampado na caixa ao chão molhado, recebe o que julga seu tributo: a esmola. Sobre feixe de escoras podres, segura com as duas mãos o guarda-chuva do lixo que estampa o brilho do restaurante “Doce Vida”. Ali, símil àquele patrimônio de varões quebrados, torna-se um escasso que a ventania se esforça em derrubar. Pelo jeito comprou o tempo, para ter tempo de ali estar governando o nada. O estômago contrai, quando os desbotados olhos rapinam despojos no saco de lixo eviscerado. A boca, num cacoete de secreções inevitáveis, é quase uma felicidade. Esta vem mais tarde, quando metade do saco revela-se digerível. No meio da chuva, ninguém lhe passa perto. E se lhe ocorre a cena, fica transparente de não se ver.
Mas a dor também explode no poste em frente. Um corpo de mulher lhe veio aos pés já sem cor de vida e voltou a respirar profundo depois que ele pulou no inferno e lhe deu o ar de vida com seu ar de pinga. Fora de risco, foi levada pela ambulância faiscante. À tarde, ela parou na esquina para confessar-lhe carinho. Não teve coragem. Nauseada, deixou por isso mesmo.