quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Fé na hora de voar

Anos atrás todos sofreram com um drama mostrado na televisão. Depois de se amarrar bem amarrado num amontoado de balões de aniversário e começar a ganhar o endereço do céu, o padre Adelir de Carli largou a mão dos cordames e começou a fazer o sinal da cruz no ar, retribuindo os votos de “vai com Deus” da multidão, que dele foi se despedir.

— Ele está no meio de nós... Ele está no meio de nós... — respondia às jaculatórias que o povo lhe endereçava.

A aventura mal planejada colocou em sério risco a vida do religioso. Tentou fazer um curso de balonismo que não concluíra. Teimoso, queria voar. No dia marcado estava lá todo empinado, igual cavalo de circo. Alguém lembrou de lhe colocar num bolso um telefone celular global, desses via satélite que também acabam a bateria. Mas levou um GPS que não sabia usar. Confiou na providência celestial e não se preparou para voar por aqui. Encheu-se o coração de Deus para fazer uma diabrura desautorizada: voar como o padre Bartolomeu de Gusmão. Só que aquele era um bom piloto.

Adelir desejava ir para o Mato Grosso e foi parar no Rio de Janeiro. Lá chegou sem préstimo algum para esta vida. Deu um exemplo de como não se deve brincar de desafiar os dois maiores abismos deste mundo: o céu e o mar. Tenho receio quando vejo festivais religiosos e romarias. Parece que acabam sempre em tragédias. Ao acomodar-se no meio daquelas bolas o padre alojou-se no meio de uma fé insolente para hoje não mais existir entre nós. Acabou recebendo o prêmio Darwin pela maneira estúpida como acabou com a própria vida. Deveria merecer comenda mais séria pela luta em favor dos desassistidos das ruas de Paranaguá que morrem nas unhas de grupos de extermínio e dos traficantes de drogas.

Anos antes, numa Palhoça inundada, também se viu exemplo de fé absurda num fiel evangélico. Quase se matou e à própria família quando também decidiu voar “em o nome do Senhor Jesus”. Vinha ele dirigindo seu carro pela alagada Capitão Augusto Vidal quando, na altura da ponte de pedra levada pela enxurrada, a esposa mandou que parasse porque não havia mais ponte. Num ato de fé petulante respondeu que ia fazer a travessia porque confiava na providência divina. Estatelou-se lá embaixo. Jurou abandonar a igreja ali mesmo dentro da vala. Sua Brasília foi arrastada um bom pedaço e ele quase complica a vida da esposa e dos filhos. O rapaz também misturava muito as coisas do céu com as coisas da terra.

Caramba, parece que voar é a pulsão mais escolhida quando se põe a fé para trabalhar. Por certo é o poder mais bacana que existe. Eu mesmo já voei diversas vezes, mas sempre com a ajuda do cartão de crédito.