sexta-feira, 11 de julho de 2008

A CERTEZA PERMITIDA


Humberto Ilha

De tudo ele já havia tentado. Começava as coisas com entusiasmo e lá pelas tantas, desatinava e ficava deprimido. As primeiras dificuldades faziam desabar o projeto sonhado. Isso desde que era criança. Mas a mãe não iria deixá-lo coroar-se um perdedor nascido. Fez que se preparasse para o vestibular mais charmoso: medicina. Foram dois anos com jornada puxada de seis horas por dia. Passou no vestibular e concluiu o curso nos seis anos na Escola Nacional de Medicina. Fez dois anos de especialização em cardiologia clínica e parou tudo para descansar um pouco. E nisso estava há quatro anos. Gostava era de curtir a noite e as mulheres, que não eram poucas.
Durante o curso fez amizade com um colega cuja mãe já se dava com a dele. Freqüentando com regularidade a casa, passava as tardes estudando com o amigo. Às vezes dormia por lá mesmo. A copeira da casa era uma potranca já feita e se desmanchava toda por ele. Começaram a ter um caso descompromissado. Ele só queria deitar com ela, mas Clara o amava de verdade.
Era ela a garantia derradeira dele sair da fossa quando estava lá. Mas não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe, diz a trova bem feita. Por um inconfessável motivo, a empregada foi demitida. Mas o bagual deu um jeito de freqüentar o novo emprego dela. A nova família era conhecida em São Cristóvão pela simplicidade e dinheiro que ganhava trabalhando com linhas de ônibus urbanos. A paixão ali era o Clube de Regatas Vasco da Gama do qual eram sócios mantenedores. Estava tudo certo porque ele também era um vascaíno doente.
Ficou sem freqüentar a casa durante os seis meses que passara no interior de São Paulo. Um dia, a casa dos Bredes estava festejando os Santos Cosme e Damião e já passava da uma da manhã. Ele procurava a empregada e não a encontrava. Criou coragem e perguntou por ela à governanta. Ficou sabendo que Clara estava nos últimos dias para dar à luz uma criança. Ele então se desmontou ali mesmo. Perguntou como seria possível aquilo, mas ela calou-se e saiu. Achava que o romance com a empregada era segredo. O tom de voz da mulher desfez essa certeza.
Foi para o salão de festa imaginando uma maneira de ver a empregada. Estava ensaiando uma nova abordagem à cozinha quando a senhora Bredes pediu silêncio a todos e perguntou se havia na festa alguém que pudesse fazer um atendimento de emergência. Amigos rodearam-no e quase o empurraram para que atendesse a dona da casa.
— De jeito nenhum. Faz quatro anos que não exerço.
— Vai ficar aí em cima do muro para sempre? Escolha um lado e desse daí. Não sei se lhe sobra covardia ou lhe falta coragem para viver sua vida. Vai lá. Você é o melhor que temos aqui.
— Sou?
Foi levado às pressas ao quarto da mulher. Espantado, viu Clara dando à luz um menino robusto. Só deu tempo de aparar a criança nas mãos. Instintivamente abraçou o bebê e exclamou sua primeira e definitiva certeza:
— Meu filho!

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