domingo, 8 de março de 2009

O FOSSO

Humberto Ilha

Não gosto, mas sou obrigado a abrir o miolo para ver o que tem lá dentro desse pesadelo desde a infância. Estou dentro da cabeça do aldeão na paisagem gelada do norte. No sonho vejo tudo pelos olhos do espadilha de adultos, crianças, doentes e idosos em lugar ainda guardado de roubo, abuso e miséria. Ali o cansaço e o sono desdormido que há para dormir. Nele, no maldito sonho, a ausência de somente um dia de paz no lugar do remorso que grita no oco da cabeça. Nele o medo da surpresa da barbárie que sempre espreita os mansos. Mas um dia, ó morte que te fiz? Muito, por certo. Chega o dia do despojo de vida e fim. A rinha desconforme pela vida! O ajuste pelas gentes concorde o costume. De um lado a arena que sangra de outro a rendição para o resguardo da aldeia. Lutar e perder trará a sobrevivência escrava. Render fará a aldeia aliada do algoz. Se assim, não sobrevivo ao acordo.

No sonho a beira do fosso de seis metros de fundo com doze cães treinados para lacerar. Doze delitos cometidos pelo espadilha contra o seu próprio povo: traição, roubo, mentira, preguiça, covardia, vício, inveja, orgulho, ódio, ciúme, homicídio e vingança.

Um sabre curto e morrer como valente, mesmo sem merecer. Os meus não choram, porque os escravizei. O inimigo não sorri, quer a justiça para a aldeia. Diante do fim estou entrando em choque. O remorso chega tarde, e à má hora, pedindo a clemência covarde. Agora é pular no fosso e morrer. Encaro o medo com um grito de pavor. Alguém me sacuda. Porque se alguém me acordar, juro, vou trilhar o caminho estreito da compaixão. Vou viver meus valores de berço.

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