sábado, 25 de outubro de 2008

DEU A CAÇAPA CANTADA NA BARRA

Humberto Ilha

Naquela noite houvera um bafafá medonho com um paulista, só porque usava vistoso chapéu branco de rodeio com as abas enroladas feito Rocky Lane. Rapazes da barra costumam provocar forasteiros atraídos pela beleza e paz da cidade. É nada disso, a violência campeia impune nas ruas. Nem se sabe mais se é caso de punição, pois o que se está reconhecendo é que os índices de criminalidade aumentam com a ampliação da injustiça social. O direito de ir-e-vir das pessoas estava sendo ignorado pelos moços da barra. É inegável a implicância de algumas pessoas com relação aos visitantes. A barra é comunidade fechada que se nega a entregar a virgindade por razões que nem sempre se entende. Abrir-se para o novo pode provocar insegurança e medo. E o medo faz coisas. Se não fosse a lojista reacionária, o turista seria muito machucado. A mulher, uma gaúcha, meteu-se no meio da briga e prometeu chamar a polícia a bem de pararem com aquela agressão. Mas o automóvel importado dele ficou bastante danificado de tanto coco que recebeu. Era apenas um psiquiatra que estava em férias contra um grupo local que passava dos limites. Melhor, era um bando de hienas sorridentes com as presas afiadas querendo guardar a praia e o verão que julgavam ser deles.

Os rapazes ainda estavam saboreando a vitória covarde, quando a atenção das pessoas ficou voltada para nova demonstração de intolerância. Dois gaúchos trajando bombachas e alpargatas mal iniciaram a matear fora da camionete estacionada de frente para a maresia, quando começaram a ser insultados. Os dois não deram importância para as chacotas até que escutaram o bufo do habitual coco se esborrachando na porta do carro. Foram conferir o estrago e pediram para que parassem. Um dos gaúchos, um cinqüentão chamado Gotardo, que se soube também tocava acordeona, quis falar mais alguma coisa, mas foi atingido por uma latinha cheia de cerveja que lhe abriu uma fossa enorme na cabeça. Em seguida, foi jogado no chão e agredido a pontapés até ficar em coma. O outro, um homem de Sarandi, conseguiu afastar os agressores e colocar meio jogado o amigo na caçamba da perua. Tinha pressa de seguir para a emergência do Hospital Universitário. Nem esboçou reação de bate-boca, pois só queria socorrer o ferido que sangrava muito. Furtivamente encarou cada um dos oito covardes. Sem movimentos bruscos embarcou no veículo avaliando o quanto aqueles rapazes eram malvados. Foram mais pontapés, palavrões e cocos, armas eficientes saídas da secura do verão. O forasteiro foi embora enquanto o bando proclamava vitória. Mas era só o começo do rebuliço, pois quase imediatamente ele voltou. Deixara o companheiro encaminhado para um cirurgião remover-lhe um coágulo no cérebro. Só que agora trouxe um reforço também bombachudo, o dono do carro e irmão da vítima. Os malfeitores de finais de semana passaram a hostilizá-los com mais veemência. Não o fariam se suspeitassem que o homem era um delegado de polícia acostumado a lidar com salteadores e assassinos. Os dois turistas desceram do carro amassado e o proprietário perguntou quem se responsabilizaria pelo estrago. Um dos valentes respondeu que não tinham visto nada e recomendou que eles fossem embora dali. Mas os dois vieram com um plano e imobilizaram o valentão que falara. Como num passe de mágica o delegado armou-se de uma pistola e colocou-a entre as pernas do rapaz. À vista daquela arma ameaçadora os demais fugiram como fogem os covardes. Então o policial disse que eles estavam se metendo com quem não conheciam. Que um gaúcho não admitia insultos; e que ele não gostava de cocos — matava a sede com chimarrão amargoso na losna — e que o chiru refém ia saber o que era ser perverso. Disse mais: que era obrigado a ensiná-lo da pior maneira, pois a lei da rua o obrigava assim proceder quando não sentisse necessidade de tirar a vida de um bicho sem mais préstimo. Dizia isso aos demais com a arma sempre encostada no corpudo, que chorava arrependimento inútil.

De repente um estampido forte, uma cápsula zunindo e o rapaz se contorcendo em desespero no chão; o tiro mutilou o futuro do que ainda era casto no moço topetudo da barra.

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