sábado, 25 de outubro de 2008

UM CANDIDATO DE RESPEITO

Humberto Ilha

Aquele idoso havia sido o melhor prefeito da cidade. Como fizeram em eleições passadas, os notáveis da cidade se reuniram e decidiram apoiar-lhe a candidatura. Mas ele não queria ser reeleito.

O desejo de ser prefeito nascera-lhe de uma indignação, quando ainda jovem. Consta que tomou conhecimento do que vinha sendo feito com o dinheiro público. “É uma ladroeira que ninguém dá jeito”, dizia corajoso. Tanto que seu discurso base era não roubar para poder administrar. Agora velho, mas ainda topetudo, vivia dizendo que se merecesse a aprovação popular iria pavimentar cinco quilômetros de atoleiro, que alguns chamavam de estrada, somente com o dinheiro economizado do roubo. A estrada era um anseio comunitário prometido e nunca cumprido. Era uma obra necessária para escoar oitenta por cento da produção de cebola do município. Ninguém o levava a sério, mas ele insistia no plano.

De tanto perseverar acabou sendo procurado pelo grupo de pessoas nascidas ali, mas que morava em outras cidades. Era esse o tal grupo de notáveis que, diziam, decidia o rumo das eleições. Nos quadros figuravam médicos, magistrados, um ex-governador, professores universitários, um líder comunitário de avançada idade, dois generais da reserva e uma senadora da república. Eram pessoas de bem e por isso mereciam credibilidade da cidade. Em anos anteriores o grupo havia escolhido um critério de preferência: a capacidade intelectual. Pessoas estudadas eram mais aderentes a um plano de ética pública. Mas não adiantava; parece que, quanto mais inteligente, mais o ladrão sabia roubar.

Chamaram o velho para uma reunião e deram-lhe a chance de expor o plano que propalava nas ruas. Não era ele um homem que reunisse as melhores qualidades que o grupo buscava. Com palavras simples e às vezes mal pronunciadas, ele falou somente do plano geral que tinha em mente.
— Eu só prometo não deixar o dinheiro sumir. Com a economia vou levar a rodovia até as tifas das lavouras de cebola. Um dia depois de assumir o engenheiro começa a trabalhar na obra.
O grupo pediu que ele mencionasse a origem dos recursos; se pensava em aumentar os impostos. Mais uma vez ele foi claro.
— Vou acabar com o esquema de propina. Trabalhando com honestidade nas concorrências públicas vou baixar os custos dos bens e serviços que a prefeitura contrata. Não vou aceitar e não deixarei que peguem propinas durante a minha gestão. O controle do dinheiro passará por mim pessoalmente. Vou ficar com a chave do cofre em respeito ao povo.
O grupo suspendeu a reunião por meia hora e voltou com a decisão.
— Vamos dar ao senhor a oportunidade que tanto pede e vamos elege-lo — disse-lhe a senadora falando em nome do grupo.

A partir daquele dia o homem começou a se trajar totalmente de branco. E vestiu-se desse jeito até o dia da posse. Não gastou sequer um centavo com a própria campanha. O trabalho do grupo foi eficiente porque se multiplicou pelos seguidores e parentes, mas a mensagem de que o candidato estava de mãos limpas para servir foi definitiva para o resultado estrondoso das urnas. Fora uma mensagem como nunca ninguém viu. Só se falava no homem de branco.

No dia seguinte à posse, sua neta foi vista demarcando a área para a construção da rodovia prometida. Fixou o prazo de cem semanas para entregar a obra. Na inauguração, nada de foguetório. Entregou a estrada sem alardear e continuou trabalhando serenamente até a hora que o mesmo grupo veio pedir para reelegê-lo. Não quis mais o cargo; já havia feito o que lhe competia. Aconselhou que escolhessem outra pessoa que aceitasse trajar roupas brancas durante o mandato. Então o grupo solicitou que ele indicasse alguém. Relutou por causa do nepotismo, mas no fim foi convencido e indicou uma pessoa jovem e com pouca visibilidade na cidade: a engenheira da rodovia, sua neta.

No dia da posse da moça, ambos trajavam roupas brancas. Como se fosse um branco pontifício, comprometido com a honra e a ética que o cargo exigia.

2 comentários:

Fina flor disse...

Humberto, estou enganada, ou ia tudo indo bem até sentir um certo cheiro de nepotismo...(rs)

Humberto Ilha disse...

Ana Fina Flor

como você muito bem afirma, em tudo há dupla compreensão. Há mesmo "fumus" de nepotismo na minha história, mas a neta do prefeito chegou lá pela via das urnas. Há ali, reconheço, o germe da oligarquia, mas isso já é tema para outro texto. Quis mesmo provocar, principalmente a mim próprio, e resolvi encarar a idéia do favorecimento que nem sempre é danoso à democracia.

Muito mais que "sobrinha do Papa", a moça tem luz própria. Como não sou a favor de caçar bruxas, também não posso querer matar a vaca para livrá-la do carrapato. Contudo concordo com você: "não é suficiente à esposa do César ser séria; ela tem que também parecer séria". O conteúdo dessa crônica é real e aconteceu no inteior do Rio Grande do Sul.

Abraço do Humberto Ilha.